2019

Por que a enfermagem não tem a cultura empreendedora?

Gostaria que você refletisse sobre a seguinte afirmativa: as características que a sociedade foi adquirindo com o passar dos anos, em especial pelo acesso facilitado às informações proporcionado pelos avanços tecnológicos, fez com que os usuários dos serviços de saúde se tornassem cada mais atualizados e exigentes, demandando com isso que os profissionais da saúde viessem a desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes cuja necessidade anteriormente não era demasiadamente expressada. Já havia pensado sobre isso?

Quantas horas da sua jornada de trabalho você passa frente ao paciente? A enfermagem é uma das profissões que passa a maior parte da sua atuação próxima ao paciente. Se depara diariamente com desafios cada vez mais difíceis de serem resolvidos e para isso precisa colocar a criatividade em prática e inovar, precisa empreender. Mas agora eu pergunto: nós, enfermeiros, somos preparados para a inovação e o empreendedorismo? Nos sentimos seguros para isso, considerando a formação que tivemos?

Pois bem, é sobre isso que vamos falar um pouco mais, sobre a distância que ainda existe entre a inovação e o empreendedorismo com os profissionais de enfermagem, o que resulta em profissionais receosos frente ao fazer diferente, que acabam por sofrer com as fortes pressões do mercado de trabalho, que está cada vez mais competitivo em todas as áreas do conhecimento.

Alguns estudiosos sobre empreendedorismo o diferenciam em duas formas principais: o empreendedorismo de negócio e o empreendedorismo social. No primeiro possuímos como foco o negócio e mensuramos o seu sucesso através da evolução econômica e financeira. Já no segundo, quem recebe a atenção é a missão social e o sucesso é associado com o alcance do objetivo previamente definido. Porém, ao analisar o objetivo final das duas formas de empreender, podemos compreender que ambas visualizam o ganho, a lucratividade. O enfermeiro pode empreender nas duas modalidades, o que vai definir é o contexto no qual estará inserido.

Você compartilha da ideia de que o empreendedorismo pode ser compreendido como a capacidade de identificar possibilidades e inovar continuamente, o que oportuniza ao enfermeiro um novo viés profissional, seja ele autônomo ou vinculado ao serviço de saúde que atua? Para isso é necessário que o profissional desenvolva interesse pelas questões de mercado, através das quais terá conhecimento sobre as reais demandas do seu cenário e poderá atuar frente à isso de maneira inovadora, a suprir a necessidade que emerge, trazendo, através da sua atuação profissional, soluções de valor.

Quando falamos em valor, não estamos falando exclusivamente de algo material ou de lucratividade financeira. Para que entenda melhor, o valor pode ser um processo, uma norma ou uma rotina que será criado ou modificado, através de idéias criativas daqueles que estarão envolvidos e que resultarão em melhorias, as quais podem trazer como consequências os impactos econômicos e financeiros. Cabe salientar que criatividade e inovação não são sinônimos, porém fazem parte do mesmo cenário e se inter relacionam continuamente. A criatividade está entre as habilidades previstas ao enfermeiro, inclusive preditada a sua prática no processo de formação. Sendo assim, as Instituições de Ensino Superior (IES) devem oportunizar atividades que induzam ao desenvolvimento da criatividade e a enfatizem como algo necessário para a atuação profissional.

Como exemplo prático de inovação na rotina da enfermagem, visando agregar valor à assistência, cito a passagem de plantão, a qual pode ser vista como um processo que permite a continuidade do cuidado através da organização e transmissão das informações referentes ao paciente entre os profissionais da equipe de enfermagem e também como uma ação, que dependendo da forma como for realizada, poderá elevar ou diminuir a segurança do paciente. Sendo assim, algumas instituições hospitalares com o intuito de inovar e qualificar o processo, redefiniram o momento da passagem do plantão: antes acontecia no posto de enfermagem exposto à todos os fatores que podem influenciar negativamente na qualidade das informações, que entre eles estão: interação com outros profissionais, telefone tocando, campainha do paciente chamando, entre outros. Agora acontece na beira do leito, onde os profissionais ficam próximos do contexto que cerca o paciente em questão, visualizando tudo que é imprescindível de ser repassado e com a possibilidade de inovar ainda mais, trazendo o paciente a participar da passagem do plantão, fazendo com que se sinta responsável pelo seu tratamento, evolução e segurança.

Provavelmente quando você pensou em ser enfermeiro, o primeiro ambiente de atuação que lhe ocorreu foi o hospital, sabe por que? Porque historicamente a atuação profissional do enfermeiro é vista associada à uma instituição de saúde, seja ela pública ou privada. Isso se explica porque ainda não conseguimos nos consolidar no mercado como profissionais autônomos, mesmo que esse direito já nos foi concedido desde 3 de setembro de 1946, através de parecer ministerial e que ações de empreendedorismo já tenham sido executadas por Florence Nightingale. Para que essa situação se modifique é necessário uma mudança cultural, desde a formação dos profissionais nas IES, até o entendimento do próprio profissional sobre as suas perspectivas de atuação, que vão muito além da assistência direta ao paciente.

Devido às rotinas que lhe são impostas, muitos enfermeiros ainda não conseguem vislumbrar o empreendedorismo como algo palpável no seu dia-a-dia, demonstrando um distanciamento com os conceitos relacionados, muitas vezes sem ter o conhecimento, de fato, do que significa. Para que seja possível aproximar a enfermagem da inovação e do empreendedorismo, é fundamental que você, enfermeiro, se visualize neste cenário e tenha interesse por ele, colocando em prática atitudes criativas e inovadoras. Para inovar, não necessariamente as idéias precisam ser inéditas, mas sim adaptadas à realidade que serão operacionalizadas, para que consigam resultados positivos.

Quantas vezes você teve receio de exteriorizar a sua criatividade e consequente inovação pelo medo de errar? Fique tranquilo que isso não acontece somente com você, mas sim com grande parcela dos profissionais. O estigma relacionado ao erro ainda precisa ser desconstruído e a cultura das organizações frente ao erro ser reestruturada, com foco em resultados, o que pode ser desenvolvido através da educação permanente em saúde. Repensar e refazer fazem parte do processo de inovação, o qual deve ser reavaliado continuamente. Desafios e mudanças devem ser atrativos para o enfermeiro inovador e empreendedor, onde a zona de conforto deverá ser perturbadora, instigando novos potenciais.

O desenvolvimento técnico e científico, que também oportuniza e favorece as condições necessárias para o enfermeiro modificar a sua atuação profissional e empreender, deve ser motivo de busca contínua para as atualizações profissionais. Para você ser visto como indispensável na equipe multiprofissional, é preciso adotar e executar uma postura profissional que venha ao encontro das necessidades atuais do cenário de saúde e que consiga, através de suas ações inovadoras e empreendedoras, modificar a realidade vivenciada.

Quando falo em realidade vivenciada, não estou falando apenas de estrutura física, materiais e equipamentos ou inserção de tecnologia na assistência, estou falando de experiência do paciente, que é um dos assuntos mais abordados no momento. Como posso melhorar a experiência do paciente através da assistência prestada pela minha equipe? É possível? Sim, é possível! Trago um exemplo, onde foi aliada a inovação com humanização: em um determinado hospital foi desenvolvido um projeto denominado “Cinema nas Enfermarias”, onde semanalmente os pacientes com condições imunológicas são reunidos em uma sala de cinema improvisada no hospital e conforme a liberação de dieta que possuem, recebem pipoca e suco. Essa ação é multiprofissional, porém coordenada por uma enfermeira, com o objetivo de ajudar a aliviar o estresse por conta do período de internação e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

A enfermagem ainda é um profissão vista como em ascensão na prática da inovação e do empreendedorismo, o que exalta a necessidade de disseminar essas perspectivas de atuação e instigar o interesse dos profissionais enfermeiros à desenvolverem seus potenciais e explorarem novos cenários profissionais, tornando-se cada vez mais atuantes nos diversos cenários do contexto do processo saúde-doença, que vão muito além da assistência exclusiva ao período do adoecimento.

No entanto, termino a minha escrita com um questionamento, o qual gostaria que você refletisse: o que a inovação e o empreendedorismo podem trazer de benefícios para a sua prática profissional? O que você conseguiria trazer de valor e diferencial para a sua atuação profissional com a inovação e o empreendedorismo? Desejo à você enfermeiro uma boa reflexão e até a próxima!

Sobre a autora: Bruna Nadaletti é voluntária do Hacking Health Santa Catarina e enfermeira. Especialista em Terapia Intensiva no Adulto. Mestre em Educação

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Segurança do Paciente – Saúde Mental Profissional da Saúde

Segurança do Paciente – Erros Medicação é a temática do Hacking Health 2019. Este é o meu terceiro ano como voluntária deste movimento. Nos anos anteriores tive a oportunidade de participar da discussão dos seguintes temas:

  • Prevenção a doenças crônicas;
  • Saúde Pública falta dinheiro ou falta gestão?
  • Desafios do envelhecimento populacional

Nestes 03 anos participei de diversas ações com profissionais de saúde (público, particular, filantrópico), empreendedores, gestores, designers, pessoal da tecnologia e os famosos makers. (Se você nunca participou de uma ação Hacking Health eu recomendo.

Excelentes ideias e protótipos surgiram período e a comunidade de um modo geral se beneficiou.

Porém, o que chama atenção desde a primeira edição que participei foi constatar que não importa o ambiente, pode ser saúde pública, saúde particular, ter estrutura ou não ter estrutura. Em todas as edições questões referentes a saúde mental do profissional da saúde veio à tona.

Presenciei falas do tipo:

“…Não adianta ter a tecnologia mais avançada se estamos desmotivados…”

“…Enquanto não formos tratados com respeito pelos superiores fica difícil estar sempre bem para atender os pacientes…”

“…Trabalhando em 3 empregos e virando plantão não tem como decorar os protocolos…”

 

Eu sou psicóloga com especialização em saúde mental sendo que tive a oportunidade de desenvolver minha carreira parte no serviço público (Programa Saúde da Família, Caps, Hospita gerall, etc) e parte no particular. E assim como ocorreu nas ações do Hacking Health puxei pela memoria e constatei que esta mesma discussão no ambiente de trabalho geralmente é evitada.

O desafio do Hacking Health em 2019 é sobre como diminuir os erros na medicação. E a pergunta óbvia deve ser feita:

Será que se a saúde mental do profissional não estiver bem as chances de erro na medicação aumentam?

E esta questão é internacional. Nos EUA de acordo com a pesquisa sobre Qualidade da Enfermagem Interdisciplinar da Fundação Robert Wood Johnson (INQRI), os enfermeiros experimentam depressão com o dobro da taxa do público em geral. A depressão afeta 9% dos cidadãos comuns, mas 18% dos enfermeiros experimentam sintomas de depressão.

Ironicamente os profissionais da saúde por uma série de razões (medo de perder o emprego, medo que a equipe o considere descompensado, receio de demonstrar fraqueza, etc) demoraram a identificar que não estão bem mentalmente, geralmente atribuem o desanimo, a desmotivação a falta de concentração ao fato de estarem sobrecarregados ou com falta de recursos no ambiente de trabalho ou até mesmo a falta de valorização ou reconhecimento.

Inventaram um nome para isto: Síndrome de Burnout

Traduzindo ao pé da letra quer dizer queimado por completo, trata-se de um esgotamento generalizado.

Em meados da década de 70, surgiram os primeiros estudos, nos Estados Unidos, identificando “burnout”  como uma síndrome que se manifesta pelo esgotamento experimentado por trabalhadores em consequência de vivências negativas no trabalho

 

Os sintomas são muito semelhantes ao estresse.

 

Porém, Burnout está sempre relacionado a uma queixa do trabalho que pode derivar de um estresse crônico e prolongado. O estresse é algo transitório e o Burnout é um estresse continuado onde à pessoa se apresenta cada vez mais exausto. Estudos demostram que o perfil psicológico é de um profissional muitas vezes competitivo ou que gosta de tudo certinho, com tendência a ser perfeccionista, entre outras.

Após a doença se instalar é comum ao profissional apresentar falta de envolvimento com o trabalho, estresse crônico, insensibilidade para com o outro, irritabilidade e ironia para com os colegas de trabalho.

E o que as empresas estão fazendo para evitar que isto ocorra?

No decorrer do ano espero que o Hacking Health promova rodas de conversas e clínicas com gestores, especialistas na área de Gestão de Pessoas para a troca de experiencias exitosas neste sentido. Está claro para as entidades qual o tamanho do prejuízo em não tomar atitude alguma? Será que, por exemplo, em cuidando da saúde mental do profissional isto não teria efeito direto na Qualidade do atendimento do paciente e hipoteticamente diminuir o tempo de internação o que impacta diretamente nos custos?

Mais cedo ou mais tarde (espero que mais cedo) as entidades terão que ter este debate. Porém estamos falando da saúde do indivíduo e o indivíduo não deve delegar sua saúde e bem-estar para que a empresa cuide. Sim é preciso dar conta do dia a dia e das demandas, porém, tudo é cristalinamente simples: Ficar doente e/ou esgotado podendo ficar até mesmo internado em pouco agregará e o mundo continuará a girar mesmo. Precisamos ser nossa prioridade número 1.

Os profissionais da saúde precisam desse cuidado mental e muitos não admitem precisar de cuidados, pois estão no papel de cuidadores. Falar sobre suas experiências, o que sentem, as possíveis causas, para poder cuidar do outro sem prejudicar a produtividade de sua equipe

Ao deixar de abordar o tema colocamos em risco a vida do paciente, a do profissional e perdemos a oportunidade de orientar e aprimorar sobre Saúde Mental além de diminuir o estigma, preconceito e discriminação que existente.

Temos uma longa jornada pela frente muita coisa para aprender, pois não existe receita pronta, porém tudo começa com uma ação simples: Começar a falar a respeito!

 

Sobre a autora do Post:

Alessandra Fischer é voluntária do Hacking Health Brasil e a primeira líder o capítulo Santa Catarina.25 anos desenvolvendo ações relacionadas a Saúde Pública mais especificamente em Saúde Mental com passagens pela Secretaria Municipal de Saúde Joinville. Fundação Zerbini, SPDM e Hospital Regional Joinville. Nestas localidades teve a oportunidade de desenvolver diversas ações desde o acolhimento, apoio terapêutico aos pacientes e familiares, terapia breve e coordenação de grupos terapêuticos

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